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Nota de Repúdio

O Instituto Brasileiro de Advocacia Pública manifesta seu mais veemente repúdio ao modo como, diante de mais uma atrocidade contra defensores dos direitos humanos dos povos originários e do meio ambiente – o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips –, se comporta o Presidente da República, Sr. Jair Bolsonaro.


A violência que se consolida pelo apoio expresso ou implícito do governante, por suas palavras ou pelo desmonte da administração, faz do Estado criminoso. O povo, por ele representado, não pode omitir-se diante de tal situação, pena de tornar-se cúmplice do representante.


O discurso permissivo de Jair Bolsonaro com criminosos - garimpeiros ilegais, grileiros de terras, milícias armadas, desmatadores ilegais, agressores de populações indígenas e ribeirinhas - gera a certeza da impunidade.


Não é de hoje que ambientalistas, indigenistas, jornalistas, povos da floresta e do campo e defensores dos direitos humanos são assassinados.


De 1985 a 2020, de acordo com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB – foram 1536 casos, com 2028 vítimas.


As reações oficiais a esses crimes sempre se deram de forma enérgica e imediata.


No caso de líder seringueiro Chico Mendes, morto durante o governo de José Sarney, o então Presidente da República afirmou na época que aquela morte era “inadmissível” e determinou a “apuração imediata dos fatos”. Logo após, o então secretário-geral do Ministério da Justiça, José Fernando Eichenberg, e o diretor-geral do Departamento da Polícia Federal, Romeu Tuma, foram a Xapuri para acompanhar as investigações. Eichenberg afirmou, na oportunidade: “O crime não ficará impune, com a identificação do executor e do mandante. A vontade política das autoridades federais é de que a justiça seja exercida. O inquérito não vai ficar na prateleira”. O Governo Sarney, dois meses após a morte de Chico Mendes, criou o IBAMA e, em um de seus últimos atos governamentais, criou a Reserva Extrativista Chico Mendes. Os mandantes do crime, Darci Alves da Silva e seu pai, entregaram-se à polícia dias depois do assassinato. Foram condenados a 19 anos de prisão. Em 1993 fugiram da penitenciária em Rio Branco. Recapturados, cumpriram o restante da pena na Papuda, em Brasília.


A morte de Dorothy Stang, assassinada durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, teve igualmente enérgica reação estatal. O Presidente Lula declarou que não descansaria enquanto não fossem presos os responsáveis, pois seu governo não aceitaria a impunidade, concluindo: “É abominável que as pessoas ainda achem que um revólver 38 seja a solução para um conflito, por mais grave que ele seja”. O Governo Federal enviou dois ministros ao Pará – Nilmário Miranda, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, e Marina Silva, do Meio Ambiente —, instalou um gabinete provisório e interditou 8,2 milhões de hectares de florestas públicas na Amazônia. Membros do Exército foram enviados à região e foi criado um “disque-denúncia” para auxiliar as investigações. Marina Silva anunciou a criação de mais de 5,2 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia, com ênfase no sudoeste do Pará. Regivaldo Pereira Galvão foi preso preventivamente seis dias depois do crime. O autor dos disparos, Rayfran das Neves Sales, foi preso logo depois. Entre 2005 e 2007, eles e outros homens que participaram do crime foram condenados à prisão, mas as penas foram marcadas por vaivéns na Justiça, e alguns deles foram soltos e libertados sucessivas vezes.


Não há como negar que o Estado, em todas estas vezes, falhou no dever de promover a defesa da vida das pessoas. No entanto, até então, jamais um Presidente da República tivera a ousadia e a insensibilidade de sugerir que as vítimas fossem culpadas por suas mortes. É uma fala covarde sugerir que uma delas, por "fazer matéria contra garimpeiros", seria malvista. Colocar as vítimas na condição de culpadas, por partirem para uma "aventura em área selvagem", demonstra uma distorção dos fatos. As mortes se deram por homicídio deliberado e não por ataque de animais selvagens ou acidentes naturais. Por abomináveis, as declarações presidenciais de Jair Bolsonaro falam por si:


“Duas pessoas apenas em um barco, em uma região daquela, completamente selvagem, é uma aventura que não é recomendável que se faça. Tudo pode acontecer. Pode ser um acidente, pode ser que tenham sido executados” (Jair Bolsonaro, em declaração no dia 7 de junho ao canal SBT).


“Esse inglês [Dom Phillips] era malvisto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região lá, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele” (Jair Bolsonaro, em declaração no dia 15 de junho em entrevista para a apresentadora Leda Nagle).


“São dezenas de milhares de pessoas que desaparecem por ano no Brasil. Ele [o ministro Luís Roberto Barroso] se preocupou apenas com esses dois” (Jair Bolsonaro, em entrevista para a rádio CBN de Recife/PE em 13 de junho)


Como brasileiros nos ressentimos pela indiferença do Estado Brasileiro para com as populações indígenas, os ribeirinhos, jornalistas e militantes na defesa dos direitos humanos. De acordo com Relatório de 2021 da Global Witness, o Brasil é o 4º país que mais mata ativistas ambientais. Somente no ano passado, houve 20 mortes em solo brasileiro, revelando a incapacidade estatal de proteção a quem, pacificamente, se dispõe a trabalhar pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado.


O povo deve pedir perdão aos amigos e familiares de Dom e Bruno por haver guindado ao poder uma pessoa da estirpe de Jair Bolsonaro, deve repudiar o crime, proteger o jornalismo livre e independente, garantir segurança às populações tradicionais.


O IBAP expressa sua total e irrestrita solidariedade às famílias, amigas e amigos de Bruno Pereira e Dom Phillips, oferecendo a essas pessoas sua indignação e disposição de luta, nos parâmetros da democracia, para mudar os rumos deste país, que colocou na sua presidência alguém incapaz de promover a proteção de seu povo.


Expressa também solidariedade a todos os povos indígenas do território brasileiro, que estão há mais de 500 anos sob ataque e que, nesse momento, enfrentam o governo federal de Jair Bolsonaro, relembrando igualmente a memória de outras vítimas, como Paulino Guajajara (2019), Maxciel Pereira dos Santos (2019), Ari Uru Eu Wau Wau (2020 e Zé do Lago (2022).


Por fim, o IBAP conclama a Advocacia Pública Federal para que defenda exclusivamente o Estado Federal delineado na Constituição da República, rejeitando o papel de rábula de criminosos usurpadores da ordem constitucional.


21 de junho de 2022


Instituto Brasileiro de Advocacia Pública


 


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