Editorial — A lusofonia e os limites da comunhão linguística
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A ideia de lusofonia costuma ser apresentada como símbolo de unidade histórica e cultural entre povos de diferentes continentes, ligados pela experiência comum da língua portuguesa. No entanto, por trás dessa aparente comunhão, subsiste uma realidade complexa, marcada por assimetrias políticas, memórias coloniais e exclusões linguísticas que seguem em curso.
A consolidação do português como idioma oficial nos países de língua portuguesa decorreu de processos de imposição, e não de escolha livre. No Brasil, antes da colonização, estimam-se mais de mil línguas indígenas; hoje, restam menos de duzentas, muitas em risco de desaparecimento. Em Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e Timor-Leste, línguas como o kimbundu, umbundu, macua, changana, fula, balanta e tetum continuam sendo faladas cotidianamente, mas permanecem à margem das instituições públicas e da produção cultural reconhecida. A centralidade do português reforça, portanto, uma hierarquia herdada do colonialismo, em que uma só língua conserva o prestígio, o acesso e a legitimidade.
Ainda que o português tenha sido apropriado e transformado por diferentes comunidades, a sua condição de exclusividade institucional limita a valorização das múltiplas formas de expressão que compõem essas sociedades. A recente eleição de Ailton Krenak à Academia Brasileira de Letras evidencia essa tensão: ao levar à cena literária uma tradição intelectual ligada à oralidade e à experiência indígena, sua presença expõe a distância entre a diversidade linguística do país e seus espaços formais de consagração cultural.
No último 10 de junho de 2025, celebrou-se o Dia da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), oportunidade propícia para se refletir criticamente sobre os rumos desse projeto de cooperação internacional. A expansão da CPLP para além dos países historicamente lusófonos tem levantado questionamentos legítimos. A inclusão da Guiné Equatorial, em 2014, como membro pleno da comunidade, ilustra uma contradição flagrante: trata-se de um país com regime autoritário consolidado e com percentual irrisório de falantes do português, que adotou o idioma apenas como formalidade diplomática. A decisão, tomada por razões geopolíticas e econômicas, esvazia os princípios declarados da CPLP e compromete sua legitimidade como espaço de intercâmbio linguístico e cultural.
É necessário reconhecer que o ideal lusófono, se quiser escapar da retórica nostálgica do império, deve abrir-se à pluralidade linguística como um fato e uma exigência democrática. Valorizar as línguas indígenas, africanas e crioulas não significa rejeitar o português, mas recusar sua condição de monopólio. A lusofonia só poderá ser projeto de futuro se for capaz de ouvir as vozes que sua história silenciou — não como gesto simbólico, mas como revisão efetiva daquilo que chamamos de pertencimento comum.
O Instituto Brasileiro de Advocacia Pública reafirma, neste contexto, seu compromisso inegociável com a descolonialização das estruturas do Estado, com a defesa intransigente dos direitos dos povos originários e com a construção de uma democracia verdadeiramente socioambiental e linguística. Em todas as instâncias em que a palavra for instrumento de justiça, ali estaremos.
INSTITUTO BRASILEIRO DE ADVOCACIA PÚBLICA
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